quinta-feira, 3 de março de 2011

Como deveria ser e como é


Ela chegou como quem não queria nada, mas disposta a me levar tudo. Me convidou, com um tom de intimação, para segui-la. Apesar da inquietante dúvida de para onde iríamos, a certeza era absoluta de que jamais voltaria. Encarei-a, por um instante, com os olhos bravamente decididos a dizer 'sim, estou pronta', mas no último segundo o medo inundou-os e nem se quer um sussurro se ouviu. O frio que pousava sobre minha pele ainda quente penetrou pelo corpo adentro indo se alojar nos ossos. Não era denso e passageiro como os outros frios. Era agudo e decididamente contínuo. A respiração, antes tão simplesmente fluida, tornou-se áspera e pesada. O silêncio então é quebrado: 'tens medo de mim?' A resposta estraçalha o diálogo: 'se não tiver de tu, de quê mais terei?' Ela me olhou como que surpresa mas mantendo no canto dos olhos e da boca a eterna indiferença. Pedir, implorar, xingar e rezar não surtiram efeito na implacável decisão de me levar. Restou-me acompanhá-la com um silêncio póstumo. Os passos iam lentos, porém cada vez para mais longe daqui e para mais perto de lá não sei onde.

Um comentário:

  1. Oh, Flor, leva-me contigo por teus caminhos e errâncias, teus encontros consigo; recorda que encontra-se consigo pode ser encotrarmo-nos os dois. Um poema cubano diz:
    En un bosque cerquinta de la Habana,
    una china se perdió,
    e como yo era un perdido,
    nos encontramos los dos.

    ResponderExcluir